“Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos” (Salmos 119:71)
Por mais estranho que pareça, a derrota é, às vezes, mais saudável do que a vitória. Em muitos casos, a derrota remove o servo de Deus do pedestal no qual ele e os seus admiradores o elevaram, e coloca-o em seu devido lugar. Já a vitória pode prestar serviço contrário, tirar o servo de Deus de entre os outros servos de Deus e o colocar acima de todos.
Não há nada de errado no sucesso. A vida bem-sucedida faz parte dos planos de Deus. O sucesso chega a ser inevitável para quem, à semelhança de José, é uma “árvore frutífera à beira de uma fonte” (Gn 49.22). O sucesso é uma situação normal para quem preza a comunhão escondida com Deus. Mesmo em circunstâncias contrárias ou “no ano da seca”, ele não deixa de dar fruto (Sl 1.3; Jr 17.7-8). Mas, se a humildade, antes, durante e depois do sucesso, não for prudentemente mantida, com certeza o sucesso fomentará a soberba e esta, por sua vez, a ruína, como a Bíblia o ensina sobejamente (Pv 16.18).
Apesar de ser muito difícil lidar com o fracasso, parece ser mais difícil ainda lidar com o sucesso. Veja-se, por exemplo, a história de Gideão.
A vitória de Gideão sobre os midianianitas foi fantástica. Depois de reduzir o seu exército, a mando de Deus, de 32 mil para trezentos homens desarmados (eles carregaram trombetas em uma das mãos e tochas acesas na outra), Gideão pôs em fuga os midianitas e eles mesmos se mataram com suas próprias espadas (Jz 7.1-25). O pequeno número de soldados (menos de 1% de todos os voluntários) era uma medida preventiva contra a possível soberba: “A fim de que Israel não se orgulhe contra mim, dizendo que a sua própria força o libertou” (Jz 7.2).
Os acontecimentos posteriores à vitória de Gideão sobre os midianitas mostram que ele não soube lidar com a vitória. Mesmo rejeitando a oportunidade de tornar-se rei de Israel por aclamação popular (Jz 8.22-23), Gideão não tomou o devido cuidado para evitar que aquela estrondosa vitória se tornasse objeto de idolatria. Ele recolheu vinte quilos e meio de brincos dos midianitas e com esse trunfo da vitória fez um manto sacerdotal que, além dos valores material e histórico, foi aos poucos obtendo valor religioso. Apesar de Gideão ter tido a coragem de despedaçar o altar de Baal, que pertencia aos próprios pais, por ocasião de seu chamado (Jz 6.25-32), ele se tornou o responsável pelo retorno à idolatria.
Posto em Ofra, a cidade natal de Gideão, o manto sacerdotal, cravejado com as jóias arrancadas dos midianitas, virou um objeto de adoração e uma armadilha para a família e para todo o Israel (Jz 8.27). Os que ridiculamente faziam peregrinações a Ofra e dobravam seus joelhos diante daquele ídolo eram os “adoradores da vitória”, e não de Deus, que tornou possível a vitória. Essa é uma das formas mais grosseiras da soberba. E talvez seja mais comum do que se pense! Que Deus nos ajude e nos livre.
Jefferson Martins – Pastor da Igreja Evangélica de Peruíbe