Publicado em 25/06/2004*por Sônia Hess

Os compostos contendo mercúrio são substâncias extremamente tóxicas que os organismos não conseguem eliminar. No corpo humano, tais compostos causam danos aos rins, sistema respiratório e sistema nervoso, além de defeitos congênitos nos filhos das pessoas contaminadas, entre muitos outros males. Laudos fornecidos pela Petrobras confirmam que o gás natural importado da Bolívia, que tem sido empregado como combustível em automóveis, indústrias e em usinas termelétricas contém teores de mercúrio que variaram em 560%, não sendo possível avaliar-se qual a quantidade de compostos mercuriais que têm sido lançados no ambiente, em decorrência do emprego deste combustível.

Outros poluentes que tem sido lançado em grande quantidade na atmosfera de Mato Grosso do Sul são os óxidos de nitrogênio, gases produzidos a partir da queima de combustíveis em altas temperaturas, que em 2003 foram liberados pela usina termelétrica Wiliiam Arjona (C. Grande) na proporção de 2200 toneladas, gerando mais de 4400 toneladas de ácido nítrico, causador da chuva ácida.

É importante ressaltar que os óxidos de nitrogênio presentes nas emissões gasosas desta usina alcançaram concentrações mais do que duas vezes maiores do que o recomendado pelo banco mundial. Estes dados são preocupantes, uma vez que milhares de artigos científicos têm revelado que os óxidos de nitrogênio estão envolvidos no surgimento de diversas condições patológicas, como impotência masculina, diabetes, supressão da imunidade, hipertensão, câncer, processos alérgicos e inflamatórios, problemas cardíacos, entre outros, e que as quantidades destes óxidos, envolvidas em diversos processos biológicos, são extremamente pequenas.

Cópias de documentos contendo laudos e as informações mencionadas acima foram encaminhadas a diversas autoridades, em uma tentativa de alertá-las quanto aos riscos à saúde da população representados pelo mercúrio e os óxidos de nitrogênio liberados em dispositivos que empregam o gás natural boliviano como combustível. Assim sendo, em reunião realizada no dia 13/12/2002, os membros do Conselho Estadual de Saúde de MS, após ouvirem técnicos e debaterem quanto aos riscos relativos ao funcionamento da UTE William Arjona, deliberaram que deveriam ser realizados “estudos para verificação dos níveis de mercúrio nas pessoas e animais, no raio de 20 km da usina”.

Também foi divulgado (27/10/2003) que “o presidente em exercício da OAB Nacional, Roberto A. Busato, enviou ofício à Ministra do Meio Ambiente, Marina da Silva, solicitando que determine regulamentação específica para as termelétricas que utilizam o gás natural como matéria-prima para geração de energia…A principal preocupação refere-se à presença de mercúrio e óxidos de nitrogênio… Os limites de tolerância destes dois poluentes não estão disciplinados na atual regulamentação do setor produzida pelo CONAMA…” . Infelizmente, apesar dos terríveis efeitos que estas substâncias causam à saúde humana e ao meio ambiente, não existe legislação no Brasil para limitar a quantidade de óxidos de nitrogênio ou de mercúrio a serem liberados em usinas termelétricas movidas a gás natural, o que tem dificultado muito a intervenção de órgãos governamentais, em defesa da população.

Por exemplo, em 02/04/2004, o Presidente Lula inaugurou a UTE de Três Lagoas, apesar da Promotoria do Meio Ambiente de Três Lagoas, em conjunto com a Procuradoria Federal, terem encaminhado ação judicial tentando impedir o seu funcionamento. Com relação àquela UTE, há ainda o grave fato de que o próprio EIA-RIMA encaminhado pela Petrobras confirma que os poluentes liberados pela usina se concentrarão, justamente, na área de maior densidade populacional da cidade de Três Lagoas!!!

Preocupado com os riscos à população, o Senador Eduardo Suplicy encaminhou ofício (05/05/2004) às Ministras Marina da Silva e Dilma Rousseff, contendo, entre outros, o seguinte questionamento: quais os limites aceitáveis para a saúde humana da emissão de óxidos de nitrogênio e mercúrio em usinas termelétricas que empregam gás natural como combustível?

Com relação à UTE de Corumbá, o Ministério da Saúde, através da Coordenação Geral de Vigilância Ambiental em Saúde emitiu parecer técnico onde lê-se que “o EIA/RIMA da UTE Corumbá não apresentou avaliação adequada dos impactos sociais, incluindo nesse contexto a saúde da população devido à operação de uma usina termelétrica a ser abastecida por gás natural boliviano… o novo EIA/RIMA deverá apresentar alternativas locacionais, pois do ponto de vista da saúde da população, o local escolhido para construção da usina não apresentou-se adequado”.

Se as usinas termelétricas movidas a gás natural emitem poluentes danosos à saúde, muito piores são as usinas termelétricas que empregam lixo como combustível. Por isso, é tão preocupante o texto do Edital da Prefeitura Municipal de C. Grande referente à concessão dos serviços de coleta, tratamento e destinação final dos resíduos sólidos urbanos, que dá indícios muito claros de que um incinerador de resíduos poderá ser instalado na cidade, pela empresa vencedora da licitação.

Como demonstram experiências desastrosas ao redor do mundo, é impossível evitar-se o lançamento de gases poluentes perigosos a partir de um incinerador de resíduos sólidos urbanos, uma vez que tais resíduos contêm materiais perigosos como mercúrio, cádmio e chumbo que, no incinerador, são arrastados com os gases de exaustão e lançados no ambiente se os filtros não forem 100% eficientes todo o tempo (alguém conhece um filtro assim?). Além disso, durante a queima dos materiais presentes no lixo são gerados subprodutos extremamente tóxicos, que contaminaram e causaram doenças em diversos locais próximos a incineradores de lixo.

Os incineradores mais modernos têm mecanismos para evitar a formação destes compostos, mas produzem outros, como os óxidos de nitrogênio. Se o objetivo é tratar o lixo da maneira menos impactante possível e ainda gerar energia, por que não investir na coleta seletiva, reciclagem, tratamento adequado para resíduos de serviços de saúde, entulhos, produtos domésticos perigosos e construção de um aterro sanitário, gerando energia a partir da queima do gás produzido pela decomposição do lixo orgânico? Por que tantos argumentos não têm sido capazes de sensibilizar as autoridades?

Será que nos próximos anos teremos que conviver com as usinas termelétricas e, ainda, com um incinerador de lixo, até que os estudos epidemiológicos demonstrem que pessoas adoeceram e que o ambiente foi irremediavelmente contaminado devido ao seu funcionamento? Outras questões fundamentais: quanto da energia gerada nas usinas de MS está sendo consumida no Estado? Por que os técnicos da Eletrosul insistem em afirmar que o problema de MS não é a geração, mas sim, a precariedade da rede de transmissão de energia elétrica? Por que não foi construída nenhuma das usinas termelétricas previstas para o Estado de SP?

* Sonia Hess é engenheira química com pós-doutorado em Química pela Universita Cattolica Del Sacro Cuore Instituto Di Chimica e Chimica Clinica (UCSC) na área de Química dos Produtos Naturais, Itália; pós-doutorado em Química pelo Departamento de Química Orgânica da Universidade de Campinas (Unicamp) na área de síntese orgânica; professora do Departamento de Hidráulica e Transporte/Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (DHT/CCET/UFMS).

Fonte: Rios Vivos.